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domingo, 20 de julho de 2014

Shadow of the Colossus: Ã sombra de gigantes

Uma águia voa pelo céu, que está carregado de nuvens escuras. Ela transita como se estivesse vigiando o que acontece em baixo. Bruscamente, a ave dá um rasante muito perto de uma pessoa. Então vemos um homem e seu cavalo passando por um desfiladeiro. A impressão é que o destino é um lugar muito distante. Na verdade, eles rumam a terras seladas por vários séculos, onde a entrada de humanos é estritamente proibida. Em seguida, depois de percorrerem uma interminável ponte, chegam a um monumental templo. Um legítimo arranha-céu, a construção é conhecida como Santuário da Adoração.

O homem retira o véu de um corpo. Aparece uma mulher, morta num sacrifício. Ele a deita delicadamente numa cama de pedra, local parecido com um altar de cultos. Nesse momento algumas sombras emergem do chão, sussurrando grunhidos, mas desaparecem logo quando ele saca uma espada. Então surge uma voz e se espanta em vê-lo com tal arma. O viajante lhe pergunta se é possível trazer a mulher de volta a vida. O oráculo responde que isso talvez não seja impossível, contanto que dezesseis gigantes soltos pelas terras abandonadas sejam derrotados.


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Clássico é aquilo que permanece eterno, que resiste a ação do tempo sem perder o seu status de vanguarda, independente o meio de expressão artístico utilizado. No extenso universo dos games, categorizar uma obra como clássica é um pouco mais complicado já que são vários os fatores a serem analisados, como jogabilidade, gráficos, diversão e outros. Jogos que marcaram época, que definiram uma geração de jogadores e que servem de inspiração até hoje podem ser considerados como tal. Porém, com a constante evolução dos consoles, cada vez é mais difícil categorizar um jogo como clássico.

Apesar dos mais de trinta anos de existência " e das dezenas de jogos que deveriam ser tombados como patrimônios culturais, como PacMan ou Mario ", até então nenhum game trouxe uma experiência mais intimista, que deixasse de lado certos paradigmas e que tivesse causado até certo impacto psicológico no jogador, além de possuir um visual deslumbrante e poético. Por isso, pode-se afirmar sem nenhum receio que Shadow of the Colossus (SotC) é um clássico sem precedentes na história do entretenimento eletrônico. Ã muito mais que um simples jogo, é uma experiência inesquecível.

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Lançado para Playstation 2 em outubro de 2005 no Japão, Europa e nos Estados Unidos, SotC estabeleceu um novo patamar no diálogo entre games e a arte. Tudo começara anos antes, com a idealização de seu predecessor espiritual Ico. O diretor e criador Fumito Ueda  queria fazer algo diferente de tudo que já havia visto. Aplicando um conceito minimalista nos elementos "in-game", um ambiente inóspito, uma língua indecifrável e uma trama que impactasse o jogador, Ueda fez com que seu projeto fosse muito além de seu tempo. O game começou a ser produzido em 1998 para o Playstation, mas teve sua produção adiada um ano para ser adaptado no Playstation 2. Sucesso de crítica absoluto, o jogo narra a fuga de Ico e Yorda de um gigantesco castelo. Mesmo sendo jogos separdos, Ico e SotC possuem conexões e se complementam de uma forma cíclica " fato que pode ser notado no término de ambos.

Devido ao sucesso, uma continuação foi programada, projeto que se chamou NICO por uns tempos. O título era uma pequena brincadeira com a palavra japonesa para dois, "ni". Uma edição especial de SotC vendida no Japão trazia um DVD especial com vídeos da versão. A abertura mostra um pequeno bando de garotos com máscaras de chifres e espadas atacando um colosso " também chamados de "colossi" " que viria a ser Quadratos, o segundo gigante a ser enfrentado em SotC. Após um tempo, o nome do protagonista foi incluído no título, mudando-o para Wander to Kyozou (ou Wander and the Colossus). Mas novamente fora trocado por receio de que o nome fosse confundido com Wanda " Wander é uma referência a "wandering", a um herói errante, que perambula pelo mundo. Depois de toda essa indecisão, o game finalmente fora batizado como Shadow of the Colossus, sendo chamado de "Wander and the Colossus" em terras nipônicas.

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Mas vamos ao jogo propriamente dito. SotC começa sem dar muitas informações ao jogador, seja sobre a trama quanto ao o que fazer. A única companhia que o jogador tem é a fiel e inseparável Agro, uma égua de pêlo negro. Quanto às armas, apenas um simples arco-e-flecha e uma espada estão a disposição, sendo que esta, ao ser levantada na luz do sol, cria raios que indicam a posição do próximo colosso. Nas lutas, o mesmo feixe de luz revela o ponto fraco do inimigo. Aliás, os dezesseis colossos são os únicos oponentes nas milhas e milhas de lugares possíveis de se percorrer. Os outros seres "matáveis" são pequenas lagartas que, ao serem comidas, aumentam a resistência de Wander. Já para a barra de vida aumentar, é necessário comer frutas encontradas no topo das árvores. Juntamente com os marcadores de vida dos colossos, são os únicos indicadores que aparecem na tela, e somente quando são usados. Este é um fator que Ueda fez questão de enaltecer em SotC. Supostamente a tela é para ser semelhante a um quadro, uma pintura, não há poluição visual durante o decorrer do jogo.

E se estamos falando de visual, a parte gráfica é um primor à parte. Cachoeiras, montanhas, desfiladeiros, florestas, rios, cidades inundadas, desertos, torres, os enormes castelos e templos, arenas, pontes, estruturas arquitetônicas e outros elementos de cenários foram recriados com beleza e realismo ainda inéditos no PS2. Em certos momentos, você para a procura pelos colossos apenas para contemplar a paisagem, digna de uma obra de arte. Ã possível ficar horas e horas galopando pelas planícies e pradarias a procura de novos lugares. A única falha gráfica é decorrente da baixa taxa de frames por segundo, notada principalmente nos bruscos movimentos de câmera nas lutas contra os colossos. Para disfarçar, foi adicionado um efeito "blur", que indiretamente deu mais um toque cinematográfico. Os comandos não decepcionam, são precisos e simples. Interessante notar que certas vezes Agro não responde ao chamado do jogador, agindo de forma natural, como se fosse um cavalo real. Ueda usará esta relação entre homem e animal de maneira muito mais ampla em The Last Guardian, o sucessor espiritual de SotC no PS3.

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Outro fator marcante nesse quesito é a sensação de escala. Tudo é grandioso, colossal e monumental, tanto as paisagens naturais quanto às construções e os monstros de terra e pedras. Na questão de tamanhos, Wander é sempre minúsculo em comparação com os elementos de cena e os inimigos. Assim como em Ico, essa característica influencia diretamente na sensação de solidão que o game passa. O personagem, praticamente solitário em sua jornada, é insignificante perante o cenário, que parece lhe esmagar na tela. Pode-se associar isto com a origem etimológica do protagonista, o errante que viaja o mundo em busca de sua própria identidade. Claro que o mote principal de SotC é reviver Mono, o que sugere uma história de amor, mas é uma das várias interpretações possíveis. O game proporciona essas indagações a partir de um ponto de vista mais artístico e intimista.

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Ainda na parte artística, a arquitetura utilizada em SotC foi influenciada por vários estilos. O principal templo do jogo, Shrine of Worship ou "Santuário da Adoração", possui formas desde formas góticas " a altura das torres, os arcos " quanto traços renascentistas " a perspectiva nos espaços. Os save points (pontos onde se grava o jogo) são estruturas bem rústicas, parecem ser talhadas em pedra com traços da arquitetura mongol. Aliás, já que falamos da renascença, tal como nas pinturas de Leonardo da Vinci ou nas obras barrocas de Caravaggio, existe um forte contraste entre a luz e a sombra no jogo. A iluminação, tanto no santuário quanto no resto dos cenários, é bem explorada e trabalhada. Ao sair de um lugar escuro para a luz, tudo fica esbranquiçado por um tempo, simulando o efeito natural, como se os seus próprios olhos tivessem no local. Além disso, é através da luz que se encontra o caminho dos colossos, clara metáfora iluminista.

Além destas interpretações, o jogo também remete ao surrealismo. Os próprios gigantes feitos de pedras e terra só poderiam sair de um sonho ou de uma imaginação muito fértil. A ponte que serve de entrada para as terras proibidas é algo inimaginável, seria impossível construí-la levando em conta as dimensões e os terrenos em que ela se insere. Além de arquitetura e movimentos artísticos, SotC também mistura conceitos religiosos. Para gravar o jogo, Wander se ajoelha e reza, um claro gesto católico. Porém, assumindo que o santuário é o principal templo do jogo, tal como a igreja é a casa do catolicismo, o altar onde fica Mono não existiria, pois tal religião não acredita em reencarnação. Nesse ponto a história do jogo pende mais para o lado de religiões como o budismo e o xintoísmo, já que o plot basicamente consiste em matar os colossos para reviver Mono. Até por Ico e SotC formarem uma história contínua, um ciclo, dá a entender que o prumo religioso do jogo aponta para o oriente. 

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Mas são as batalhas contra os colossos o que mais impressiona, espetacularmente cinematográficas em todos os sentidos. Precedidas de uma breve apresentação visual do oponente, as lutas contra cada um dos colossos têm suas peculiaridades, variando na localização e na quantidade de pontos fracos. Não há um jeito único para abatê-los, é preciso uma estratégia diferente para cada um, utilizando desde o próprio gigante até o ambiente que o cerceia. Alguns colossos são bem óbvios, principalmente os primeiros, mas existem uns mais demorados, que fazem o jogador parar e pensar um pouco mais para derrotá-los. Aumentando o tom épico, uma trilha sonora orquestrada surge na hora dos desafios. Produzida por Ko Otani, a música hollywoodiana é outro ponto forte do jogo, o que pode ser comprovado especialmente nos combates. Depois de abatido, o jogador pode enfrentar novamente o colosso no reminiscence mode, que adiciona um filtro de imagem envelhecido e com bordas escurecidas, como se de fato fosse uma memória perdida. Depois da abater o colosso, um pilar de luz em direção aos céus se forma no local, visível em qualquer ponto das terras proibidas. Existem algumas teorias, sendo a mais provável que os pilares seriam apenas marcações para o reminiscence mode.

Mas tudo isso é apenas uma breve pincelada sobre a experiência, as sensações e inspirações que a procura de Wander impele no jogador. Renovando idéias, reaproveitando conceitos artísticos e paradigmas comuns aos games, SotC consegue uma aproximação da arte como nenhum outro jogo jamais conseguira, marcando, sem dúvida nenhuma, um dos capítulos mais importantes dos games. Assim como os ventos que sopram nas terras habitadas por gigantes, o brilho dos solitários colossos poderá ser vistos em qualquer canto da história do entretenimento eletrônico.


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Cerca de 10 meses antes do lançamento, começou uma peculiar campanha viral de SotC na internet. Um blog chamado "Giantology" começou a postar matérias e notícias sobre o estudo de seres gigantes. Cada vez mais embasado em descobertas e artigos científicos " alguns falsos, outros verdadeiros " que vinham de todos os lugares do mundo, o blog foi gradativamente ganhando credibilidade junto aos leitores. Porém, em outubro e novembro de 2005, uma série de cinco postagens chamou muita a atenção, principalmente pelos dados, fontes e vídeos supostamente verídicos. Foram elas:

5 de outubro:


A primeira de uma série de postagens instigantes veio de uma excavação em Jebal-Barez, no Irã. Um arqueólogo achou no local o esqueleto de uma besta de tamanho sem precedentes na história. Era uma pata do décimo terceiro colosso, Phalanx.

6 de outubro:


Um vídeo de um jornal local na Índia mostrando um esqueleto gigante numa praia de Tamil Nadu, que teria sido levado pelo tsunami. Os tais restos eram do primeiro colosso, Valus.

10 de outubro:


Um mergulhador acha na Austrália o que seria uma estátua gigante no fundo do mar. Porém, testes apontaram o material como sendo osso. Era o sétimo colosso, Hydrus.

21 de outubro:


Na Sibéria, um geólogo teria achado uma besta gigante enterrada no gelo. Perto dali, em uma caverna, havia uma pintura do que teria sido o animal. Na realidade se tratava do segundo colosso, Quadratus.

18 de novembro:


Uma família em viagem de férias no Peru dá de cara com uma estátua que não estava descrita em nenhum dos guias turísticos. Foi o primeiro vídeo criado para a campanha. A estátua era uma representação do terceiro colosso, Gaius.

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VALUS " Minotaurus colossus

O primeiro chefe é marcante exatamente pelo espanto que causa. Você ainda está meio perdido no jogo, aprendendo os controles, captando a moral do game e do nada, aparece um gigante trinta vezes maior que seu personagem, feito de pedras, solo e grama. Ao engajá-lo na batalha, uma trilha sonora épica começa a rodar. Poucos percebem, mas é neste exato momento que SotC encanta e fisga quem o joga.

Clique aqui para ver um vídeo com a batalha.

AVION - Avis praeda

Uma das melhores apresentações de todo jogo. Após passar por algumas torres, Wander chega a um rio, mais precisamente as ruínas de uma cidade inundada. Então aparece Avion, desfilando no ar com suas gigantes asas. As primeiras tentativas para subir no colosso sempre falham, mas um pouco de persistência resolve o problema.

Clique aqui para ver um vídeo com a batalha.

PHALANX " Aeris velivolus

à o maior colosso do game. Phalanx deve medir quase ou se duvidar mais de um quilômetro de largura, de acordo com a escala do jogo. Ele fica perambulando num deserto localizado ao sul do santuário e é de ser um dos cinco chefes onde se pode utilizar Agros na batalha. "Falange", além de ser um osso, é uma antiga formação militar usada pelos gregos.

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